sábado, 13 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Final

[Leia: Parte 1 | Parte 2 | Parte 3 | Parte 4 | Parte 5 | Parte 6]

Acolum narrava sua estória com a maior seriedade. Mesmo falando baixo, todos ouviram e por um breve tempo, ficaram em silêncio. Começaram a se olhar sem entender nada até que as gargalhadas dominaram o ambiente e não deixaram mais o jovem continuar. O pessoal simplesmente detonou Acolum com todo o tipo de piada possível. Quase mataram o visitante maluco da cidade grande de tanto tirarem sarro. Ele não conseguia nem falar nada. Simplesmente foi o tema da comédia por horas. Já no final da festa, quase amanhecendo, Acolum aproveitou que esqueceram dele e foi lá fora fumar um cigarro. Quando percebeu, a menina que não comeu caranguejo estava de pé ao lado dele pedindo o isqueiro. Acolum sorriu e acendeu o cigarro para ela. Por alguns instantes, os dois ficaram em silêncio até que ela falou: _Eu acredito em você. Também já vi o Caranguejo Justiceiro. Acolum permaneceu quieto, até que algumas tragadas depois acusou a menina: _Você tá me zoando! A garota ficou ali por mais um tempo e depois voltou para dentro da casa. Ele ficou lá fora, esperando o sol chegar e pensando em tudo o que aconteceu naquela noite.Depois que Acolum lanchou, eles saíram rumo à caranguejada na casa dos amigos e aproveitaram o trajeto para “matarem uma sobremesa”. Uns dez minutos depois o rapaz cruzou os dedos das mãos atrás da nuca e se espreguiçou no banco traseiro. Abriu a boca num bocejo prolongado. Usando a xepa de Maiag, acendeu um cigarro e disse que realmente o assunto caranguejo é muito interessante... facilmente daria uma tese gigantesca. Em seguida, Acolum falou que a única coisa com a qual realmente jamais concordaria, era cozinhar os bichos vivos: _Prá quê? Os amigos riram muito e concordaram com o visitante que agora encenava o desespero dos bichinhos tentando escapar da panela. De repente, pelo canto do olho, Acolum viu um vulto vermelho sair em alta velocidade do muro de uma casa à direita e vir em direção ao carro. Antes que ele pudesse falar ou fazer alguma coisa, um cara vestido com uma roupa vermelha e colante, usando um shorts azul meio roxo, pendurado em um fino cabo de aço, passou velozmente sobre o automóvel, lançou uma pequena rede e pegou o caranguejo no meio da rua. Gaiom e Maiag estavam ainda distraídos e rindo quando Acolum gritou: _Cuidado!!! Neste momento, as luzes da quadra apagaram e o carro morreu. Demorou apenas alguns segundos para a luz retornar. Acolum se desculpou pelo alarme falso e muito confuso disse que havia visto um caranguejo enorme no meio da rua. Rindo com vontade da explicação e do susto que o amigo levou, Gaiom ligou o carro e deu partida. Maiag também rindo muito, aumentou o volume do som e acendeu outro cigarro afirmando que apesar de ter sido engraçada esta história do caranguejo enorme, ela estava muito nervosa. Colocou a responsabilidade em Acolum: _Olha só a tremedeira da minha mão... que pira foi aquela das luzes? Vou ter que fumar outro cigarro... culpa tua Acolum!!! O celular dela tocou. _Estamos indo... paramos para nosso amigo lanchar... é, lanchar, ele não come caranguejo... sei lá... não gosta... diz que não come nada com dez pernas. Eu sei né Ogiam... já falei pra ele que são patas ... estamos indo... beijão. Enquanto Gaiom dobrava a esquina, Acolum olhava para os telhados das casas. Achou ter visto um vulto sobre uma delas e seu coração disparou. Querendo ser visto, o Caranguejo Justiceiro saiu das sombras e apareceu para Acolum. Mostrou o caranguejo são e salvo em sua mão direita. Com a esquerda fez um sinal de positivo. Antes que pudesse ter alguma reação, Acolum viu o Caranguejo Justiceiro sumir pendurado em seu fino cabo de aço, tão rápido quanto antes, quando ele passou por cima do carro e salvou o caranguejo com uma fina rede elástica. Maiag percebeu a viagem do amigo e perguntou: _O que você tá olhando Acolum? Tá procurando o caranguejo enorme em cima dos telhados? A coisa é boa mesmo!!! Ele disfarçou e falou sorrindo que ela era uma grande comediante: _Meio idiota, mas muito engraçada. Todos riram ao som do indie rock e continuaram rumo à caranguejada.

Por Alexandre Santana
Revisão: Leyla

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 6


Houve brindes e muitos parabéns. Enquanto as pessoas iam se acomodando novamente, Maiag avisou a dona da casa que estavam indo lá pra parte de trás do quintal. A mulher disse que eles não tinham jeito mesmo, mas deu um sorriso em seguida e falou: _Tudo bem... fica fria. O casal, Acolum e a menina que também não comeu caranguejo, foram lá para trás “matar uma sobremesa”, como metaforizou Gaiom. Logo chegou mais um casal e outras duas garotas. Umas duas rodadas depois chegou mais um rapaz e em seguida outro. Como o cérebro de todos já estavam debilitados pelo excesso de bebida, não demorou para que as conversas ficassem muito alucinadas.Teorias espirituais, óvnis, religião, medos, piadas, filosofia, cinema, pintura, quadrinhos e muito, muito mais, tudo ao mesmo tempo, em uma conversa totalmente sem nexo para quem escutasse do lado de fora. Lá pelo meio da sessão, alguém contou uma lenda urbana. Terminada a primeira história, a menina que não comeu caranguejo perguntou se alguém sabia sobre a lenda do Caranguejo Justiceiro. Um dos rapazes se precipitou, foi até o centro da roda e, com muita encenação, falou em tom de suspense: _Um cara vestido com uma roupa vermelha e bem colada no corpo... que resgata os caranguejos perdidos e os leva de volta para o mangue. Ele tem uma máscara e se pendura entre as casas e postes com um fino cabo de aço... pula por cima dos telhados... Gaiom deu uma gargalhada e disse que esta era ótima: _Um super-herói parnanguara? Não dá pra acreditar... de onde vocês tiraram isso? _Nunca havia ouvido nada sobre este cara com roupa vermelha e colante... nem sabia que o nome dele era Caranguejo Justiceiro – disse a moça abraçada ao seu namorado - mas desde criança, escutei minha vó contar sobre os caranguejos que conseguem escapar do saco e acabam perdidos aí pela cidade...ela sempre disse que havia um menino que resgatava estes caranguejos e os levava de volta para o mangue. Maiag confirmou a história da moça e ainda deu a origem do tal menino: _Bem, acho que todo mundo concorda que estes caranguejos perdidos não tem muita chance de retornar ao mangue. Segundo meus avós, há muito tempo, quando tudo isso aqui era floresta, um deles escapou enquanto era transportado para a casa de um homem muito rico que morava próximo da Estação Ferroviária. Milagrosamente ele conseguiu voltar... quando estava chegando no mangue, encontrou um pajé de uma tribo nômade que passava pelas redondezas. O homem velho e enrugado se abaixou, pegou o caranguejo, trouxe até próximo do rosto e falou: _Você conseguiu voltar meu amigo... você é mais inteligente que muitas pessoas deste mundo... amanhã você acordará menino e terá como missão mostrar o caminho para os outros que estão perdidos. Esse menino continuou a morar no mangue e passou a resgatar os caranguejos fugitivos... até hoje.Um dos garotos que chegaram por último na roda, deu uma risada muito gostosa e disse que apesar de ser uma mentira sem tamanho, a lenda até que era boa. Depois perguntou: _Mas como um garoto que morava no mangue acabou se transformando em um cara vestido com uma roupas vermelha e colantes e que se pendura por aí? Quem faz as roupas dele? Os caranguejos? Todos riram muito, menos Acolum e a menina que também não comeu caranguejo.A sessão já estava terminando e todos ainda riam do Caranguejo Justiceiro. Acolum acendeu um cigarro. Ele ficou muito estranho e agitado. Estava visivelmente nervoso, alterado mesmo. Deu uma tragada, duas, coçou a cabeça, três, quatro, esfregou a mão no pescoço como se estivesse engasgado, aproximou-se do casal de amigos e disse em tom de confissão: _Foi isso... foi isso que eu vi lá no carro... naquela hora que gritei pra você ter cuidado... lembra Gaiom? Foi isso... na hora eu pensei que tava ficando louco... mas foi realmente isso... agora eu sei. Quando olhei tinha um caranguejo pendurado, sendo puxado para cima por um cabo, um fio, elástico, sei lá... você parou e eu olhei para trás, mas as luzes apagaram...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 5


Enquanto se aproximava do carro, esticou o braço livre em direção aos paralelepípedos e usou a tela do olho esquerdo para mirar no caranguejo. Quando os dois quadrados se alinharam e a mensagem avisou que o alvo estava na mira, ele fez um movimento com o pulso. Do orifício na larga pulseira vermelha, saiu uma pequena rede presa com um elástico e apanhou o caranguejo, segundos antes que fosse esmagado. O homem já havia prendido o elástico no pequeno guincho em seu cinto e estava içando rapidamente o caranguejo quando alguém no carro gritou “Cuidado!!!”. Veloz como um raio, ele apertou o botão em seu cinto. Todas as luzes apagaram e o automóvel parou e logo desligou.Assim que Acolum berrou, Gaiom parou bruscamente o carro, fazendo os pneus “cantarem”. Todas as luzes da quadra se apagaram e o carro morreu. O casal apavorado olhou para frente e não viu nada. Acolum olhou para trás e para o alto mas também não viu nada, apenas escuridão. Alguns segundos depois, as luzes voltaram. _Você tá muito louco? – perguntou Maiag mexendo o pescoço dolorido pela freada – quer me matar do coração? Balançando a cabeça negativamente e rindo ao mesmo tempo, Gaiom disse: _Ainda bem que não vinha ninguém atrás. Mas que viagem, as luzes apagaram bem na hora!!! Sinistro!!! Acolum estava branco e assustado. _Fala Acolum, você está me deixando preocupada. O que foi que você imaginou ter enxergado? Ele olhou para ela, recompôs-se e pediu desculpa. Todo disfarçado, confuso, disse que achava ter visto um caranguejo enorme no meio da rua. Gaiom e Maiag se olharam e quase acabaram de tanto rir do amigo. _Só você mesmo Acolum – falou Gaiom – se preocupar com um caranguejo... nesta época é normal encontrar os bichinhos perdidos por aí... eles fogem do saco e se mandam. Volta e meia você dá de cara com um caranguejo na sala, no jardim, na calçada, na rua. É a época dos caranguejos.Rindo ainda com muita vontade, Gaiom deu a partida. Maiag também rindo muito, aumentou o volume do som e acendeu outro cigarro, afirmando que apesar de ter sido tudo muito engraçado, ela estava muito nervosa. Colocou a responsabilidade em Acolum: _Olha só a tremedeira da minha mão... que pira foi aquela das luzes? Vou ter que fumar outro cigarro. Culpa tua Acolum!!! O celular dela tocou. _Estamos indo... paramos para nosso amigo lanchar... é, lanchar, ele não come caranguejo... sei lá... não gosta... diz que não come nada com dez pernas. Eu sei né Ogiam... já falei pra ele que são patas... estamos indo... beijão. Enquanto Gaiom dobrava a esquina, Acolum olhava para os telhados das casas. Maiag percebeu e perguntou: _O que você tá olhando Acolum? Tá procurando o caranguejo enorme em cima dos telhados? Ele disfarçou e falou sorrindo que ela era uma grande comediante: _Meio idiota, mas muito engraçada. Todos riram ao som do indie rock e continuaram rumo à caranguejada. Depois que todo mundo se empanturrou de caranguejo, os amigos se reuniram para limpar a bagunça. Foi uma festa a parte. Até Acolum e a menina que também não comeu, acabaram ajudando na faxina. Bem que a dona da casa disse que eles não precisavam ajudar, mas Acolum respondeu que adorava estes mutirões, pois tinham um caráter comunista. Sorridente a menina concordou com o ponto-de-vista dele. Depois da limpeza comunitária, Gaiom pediu a palavra e agradeceu a presença de todos: _Para nós dois, é muito importante a presença de todos vocês nesta data tão importante. Também agradeço do fundo do meu coração aos donos da casa que sempre quebram estes galhos pra gente. Então, um brinde aos amigos do peito.Gaiom beijou Maiag e todos bateram palmas

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 4


Quanto mais se aproximava das coordenadas indicadas na tela, maio era freqüência do Bip do radar. Ele parou sobre o telhado de um sobrado. Segundo o radar de pulso, o local indicado era no quintal ao lado. Ali, agachado sobre as telhas, o homem de roupa vermelha permaneceu imóvel, observando o terreno da casa vizinha. _Vamos meu amigo... use suas patas e vá para a rua... Observou a tela mais uma vez. O ponto vermelho permanecia piscando no mesmo lugar. O homem continuou observando.Informando que o ponto vermelho estava se movimentando, o Bip do radar de pulso tocou mais uma vez. Vendo o Caranguejo sair de trás da moita e andar em direção ao portão, o homem de roupa vermelha e máscara comemorou: _Isso meu amigo...fuja para a rua!!! Lá embaixo, no quintal do sobrado, um cachorro começou a se incomodar com o Bip e a latir enfurecido. Tentando manter sua presença em segredo, o homem deixou o radar de pulso em modo silencioso. Manteve os olhos fixos no Caranguejo que agora lentamente se dirigia à rua. Quando o cachorro latiu mais algumas vezes, faltavam mais ou menos uns dois metros para o portão. Assustado com o, o Caranguejo parou. _Mas que droga – praguejou o homem –caranguejo estúpido... por que você não sai de uma vez?Após um longo período de vigília, os olhos do homem com máscara, roupa vermelha e shorts azul puxando para o roxo, começaram a fechar de sono. Ele cochilou e sonhou com a primeira vez que viu um caranguejo de verdade ainda vivo. Foi na casa de sua avó... além dele havia mais umas dez crianças e uns trinta adultos. As mulheres preparavam as coisas na cozinha e os homens bebiam cerveja e ajeitavam o churrasco. Como um furacão, um dos tios entrou na área com um saco e gritou animado: _Chegou o prato especial!!! Atrás dele a criançada pulava e pedia para ver o que ele havia trazido. Sem avisar ninguém, o homem abriu o saco e jogou dezenas de caranguejos no piso. Foi aquela gritaria. Algumas crianças menores choravam e fugiam aos berros. Muitas mulheres brigaram com o tio irresponsável, mas os outros homens riam e ainda assustavam mais as crianças, beliscando seus calcanhares enquanto elas estavam distraídas. Depois de algum tempo eles começaram a assustar até as mulheres. Foi uma bagunça.O homem sobre o telhado do sobrado acordou com o barulho de um carro se aproximando. Surpreso, olhou para a tela no radar de seu pulso e viu que o caranguejo estava já no meio da rua. Praguejando por ter pegado no sono, ele levantou rapidamente e sacou um tipo de pistola da cintura. Analisou a distância, velocidade e a trajetória do automóvel. Mais alguns metros e ele passaria com os pneus do lado esquerdo em cima da carapaça do bicho. _Pense... pense rápido – ele ordenou a si mesmo. Pressionou um botão no cinto vermelho e colocou um pequeno fone no ouvido. As lentes de sua máscara se tornaram duas pequenas telas. Ouviu uma mensagem: “Blecaute Preparado”. Apontou a pistola para o altíssimo poste de média tensão. Na tela do olho esquerdo, dois quadrados sobrepostos indicavam que o alvo estava na mira. Apertou o gatilho. Um pequeno projétil de metal em forma de arpão, preso a um fino cabo de aço, saiu do cano em alta velocidade e afundou no concreto do poste. O homem apertou um botão na pistola e ela começou a recolher o cabo rapidamente. Assim que tencionou, ele correu e se jogou do telhado. Caiu de pé sobre o muro da casa ao lado, de onde o caranguejo fugiu, e já pulou em direção a rua. Auxiliado pela forte tração do cabo de aço, ele se tornou um pêndulo horizontal e praticamente voou em direção ao carro. Mesmo em alta velocidade, trajetória em curva e a uns dois metros acima do automóvel, ele viu que os passageiros estavam rindo muito, gesticulando e não olhavam para frente.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 3


Não dá pra generalizar e simplesmente proibir... tem toda uma questão sócio-econômica-cultural por trás do consumo do caranguejo...A luz do fim de tarde entrou por uma abertura na boca do saco, e nosso caranguejo não pensou duas vezes. Foi o mais rápido de todos e conseguiu escapar daquela prisão quente e apertada. Outros dois vieram logo em seguida e mais outro um pouco depois. Eles caíram no piso gelado e vermelho da área da churrasqueira e logo o nosso amigo caranguejo achou o caminho do gramado. Enquanto se escondia atrás de uma moita, um menino saiu da cozinha e berrou avisando da bagunça: _Pai!!! Os caranguejo estão fugindo!!! O Homem veio correndo e capturou os fujões, menos o caranguejo atrás da moita. Ele permaneceu imóvel por horas, até que tudo estivesse seguro.Um longo tempo depois, a limpeza acabou e os donos da casa foram dormir. As árvores escureciam o quintal. O silêncio imperava, o caranguejo se sentiu confiante e saiu de seu esconderijo. Analisou o território por alguns segundos e correu em direção à rua. No telhado do sobrado à direita, um homem de roupa vermelha e colante, com um shorts que variava entre o azul e o roxo, observava atentamente os passos do caranguejo fugitivo. Ele usava uma máscara que deixava sua boca à vista. Após alguns metros de corrida, a sombra escondeu o caranguejo em fuga. O observador do telhado olhou para a pequena tela do radar preso a seu pulso. Um ponto vermelho piscava mostrando a posição exata do caranguejo.

Parados esperando o sinaleiro abrir, os amigos continuavam ouvindo indie rock e falando sobre os caranguejos. _Eu também acho que não adianta simplesmente proibir – disse Gaiom – já faz parte da cultura... na verdade, está enraizado na cultura. Praticamente todo mundo come. Maiag ofereceu a latinha para Acolum apagar o cigarro e concordou com o marido: _É... não é bem assim... proibir a captura e pronto, ninguém mais vai comer. Também não adianta proibir e continuarem a destruir os mangues. É muito complexo e complicado. Tem que pensar nas famílias que dependem deste consumo pra ganharem uma grana extra e diminuírem um pouco a miséria em que vivem... tem o turismo... a tradição... os donos de restaurantes e botecos. Acolum lanchou e eles saíram rumo à caranguejada na casa dos amigos. Uns dez minutos depois o rapaz cruzou os dedos das mãos atrás da nuca e se espreguiçou no banco traseiro. Abriu a boca num bocejo prolongado. Usando a xepa de Maiag, acendeu um cigarro e disse que realmente o assunto caranguejo é muito interessante e que facilmente daria uma tese gigantesca. –Eu só não concordo mesmo é com esse negócio de cozinhar o bicho vivo. Não tem nada haver!!! – falou Acolum. Os amigos riram muito e concordaram com o visitante. Gaiom e Maiag estavam ainda distraídos e rindo da descrição que o amigo fazia dos bichinhos tentando escapar da panela, quando Acolum gritou: _Cuidado!!! A noite estava mal iluminada e lua quase invisível. Vestido com sua roupa colante e vermelha, um shorts roxo azulado, e com a metade superior do rosto escondida pela máscara, um homem pulava silencioso de telhado em telhado. Um bip em seu radar de pulso o fez parar sobre a viga exposta de uma casa muito antiga, praticamente colonial, que há muito estava abandonada e virando ruína. Ele analisou o mapa mostrado na pequena tela do radar. Um ponto vermelho piscava mostrando um local. O homem se levantou, pensou um pouco, então continuou correndo silenciosamente de um telhado para o outro.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 2

[Leia: Parte 1 | Parte 3 | Parte 4]
_Comemos dúzias!!!

Esperando aquecer um pouco mais para sair atrás de uma fêmea, o caranguejo estava descansando em sua casa. Tudo estava normal e agradável no mangue, até que de repente um humano invadiu o habitat. O caranguejo ouviu a movimentação, mas permaneceu imóvel na proteção de sua toca. Antes que ele percebesse o tamanho da ameaça, sentiu algo lhe apertando a carapaça e foi puxado para fora com violência. Viu o rosto de Erbop apenas de relance antes de ser jogado no saco com mais outros de sua espécie. A confusão era geral. Todos queriam sair e por isso não paravam de se mexer e de bater as pinças. Nosso amigo caranguejo não conseguiu pensar em nada. Ficou paralisado vendo o saco fechar e levar a luz do sol.

Acolum contou o quanto ele odiava até o cheiro do caranguejo, principalmente o fedor do lixo no dia seguinte, e disse que não entendia como alguém poderia comer um bicho desses. _Cara... é um bicho horrível... tem 10 pernas... Antes que Acolum concluísse sua descrição, Maiag o corrigiu: _Não são pernas... são patas... pereiópodes... e as duas da frente são as pinças... estão mais para garra do que pra perna. Expressando surpresa pela definição científica, Acolum gargalhou e desafiou Maiag a definir por completo o “caranguejo”. Ela deu uma tragada, soltou a fumaça e começou: _Caranguejos... quarto signo astrológico do zodíaco... são crustáceos... bichos invertebrados que possuem o corpo protegido por uma carapaça... daí o nome crustáceos... do latim crusta... que significa carapaça dura... o da nossa região é o caranguejo-uçá... Ucides Cordatus... de coloração azulada, arroxeada ou avermelhada.

_Meu Deus do céu – Acolum falou sorrindo – que é isso? Como você sabe tudo isso? Cheio de orgulho de sua esposa, Gaiom contou que ela fez uma pesquisa para umas garotas da faculdade e ficou sabendo muita coisa sobre caranguejos. Maiag apagou o cigarro em uma latinha que ela tirou do porta-luvas e agradeceu o elogio do marido com um beijo na boca. _Além disso - ela disse – caranguejo é coisa séria pra quem se diz ligado... pois ele faz parte da cultura... não só parnanguara... mas de todo o litoral do Brasil e de vários locais ao redor do planeta. Acolum se encostou no banco, acendeu um cigarro e perguntou se não tem perigo de acabarem com os caranguejos de tanto comerem. Após reclamar das variações no som do CD que seu irmão havia gravado, Gaiom diminuiu o volume da música e concordou com a preocupação de Acolum: _Já tem quem defenda a profissionalização da captura e até sua proibição, pois o consumo aumentou muito.

Espremido dentro do saco junto com mais algumas dezenas de outros caranguejos, o nosso caranguejo não parava de se mexer. Erbop jogou o saco no bagageiro da velha bicicleta, amarrou tudo com uma tira preta de câmara de pneu de caminhão e voltou sorridente pra cidade. Não precisou nem oferecer muito para vender toda a mercadoria. Para o último comprador, jurou de pé junto que os caranguejos eram de Guaraqueçaba: _Não senhor... pode acreditar... não são daqui não... meu primo acabou de trazer. O homem olhou os pés sujos do rapaz, coçou o queixo e aceitou a proposta. Depois de uma breve negociação, pagou o que achou justo por cinco dúzias e ainda levou mais três menorzinhos de graça. Largou o saco perto da pia ao lado da churrasqueira e foi preparar tudo para iniciar a limpeza.

Maiag lembrou aos rapazes que o aumento do consumo é apenas uma versão para o problema. Disse ainda que alguns cientistas afirmam não haver comprovação de que o consumo está acabando com os caranguejos. _Eles argumentam que as mudanças climáticas estão ferrando com a procriação dos caranguejos... além disso, mesmo que muitos digam que não abalou tanto assim, blá, blá, blá.. tem a questão do Vicunã... já esqueceram?

domingo, 7 de setembro de 2008

O Menino do Mangue e os Caranguejos Fugitivos - Parte 1

[Leia: Parte 2 | Parte 3 | Parte 4]
Por Alexandre Santana

Quando o ônibus fez sua primeira parada em Paranaguá, Acolum saiu da hipnose do seu mp3. Limpou os olhos, abriu a cortina encardida e ficou verificando o movimento noturno do lado de fora. Na praça à beira do asfalto, sob uma grande árvore, havia uma galera reunida em círculo. Enquanto o motorista esperava o homem idoso, sua esposa de meia idade e o menino descerem sem pressa alguma, Acolum observou a galera em roda na praça. Um deles fumou algo e passou para o seguinte da roda. Este então deu uma tragada e também passou para o próximo, que fez o mesmo. As moças sentadas no banco da frente também viram a rodinha da fumaça. _Olha só os piás... uns “merdinha” desses fumando maconha... eu vejo coisa mesmo – disse uma delas. A outra respondeu avisando que a coisa em Paranaguá não estava nada boa. _Escureceu... as pracinhas já se enchem de drogados... a maioria são tudo crakento... a pedra tá dominando a galera... gente pobre... rica... mulher... homem... jovem... velho. Tem viciado de tudo que é tipo em tudo que é lugar. Eles fedem.

Como combinado, Gaiom e Maiag estavam esperando Acolum na rodoviária. Quando eles se encontraram, a bela Maiag disse sorrindo: _Bem vindo garoto da cidade grande! Acolum soltou uma gargalhada e falou a Gaiom que a esposa dele pelo jeito continuava muito engraçada. Depois que todos se abraçaram, entraram no carro e partiram. Gaiom começou a perturbar Acolum porque ele ficou quase um ano sem descer: _Você é foda... prefere ficar lá em cima da serra... lugar gelado. Olhando os mendigos na praça em frente à rodoviária, Acolum argumentou que o ano foi uma correria danada e que os dois também não subiam a 277 fazia um tempão. Em seguida, ele se mostrou preocupado com Paranaguá e comentou sobre como foi sua chegada na cidade: _Poxa... eu vi um monte de mendigo. Umas garotas no ônibus tavam falando que a coisa aqui tá feia, que o crack tá generalizado. Maiag confirmou a triste situação, falou da prostituição, prostituição infantil e contou que até os assaltos estão ficando muito mais violentos.

Erbop acordou cedo. Ele morava num casebre caindo aos pedaços, cheio de frestas entre as madeiras das paredes. Tomou um café ralo que sua velha mãe havia acabado de fazer e comeu um pão amanhecido. _Pode se animar minha mãe... to pré-sentindo... hoje vai dar pra mim encher um saco de caranguejo. A mulher sorriu e disse com sua voz rouca e baixa que era melhor o filho não ficar muito alegre, porque ainda não era época das “andadas” e “os bichu tão tudo entocado”. Ele mostrou o laço para a mãe e falou confiante: _Eles podem tá lá no fundo da toca que eu pego. Subiu em sua bicicleta já sem cor de tão antiga e saiu assoviando por entre os barracos. Ao som de uma trilha sonora formada por clássicos do indie rock, Gaiom, Maiag e Acolum atravessaram o centro da cidade. Durante o caminho, Maiag acendeu um cigarro e perguntou se Acolum estava com fome. _Se você estiver, temos que passar em algum lugar pra você fazer um lanche. Ele respondeu que tava morrendo de fome e perguntou por que ela disse que iam passar em algum lugar para “ele” fazer o lanche: _Vocês não vão comer? O casal deu uma risada de cumplicidade e contou ao visitante que eles iriam a uma caranguejada na casa de uns amigos. _Fala sério – disse Acolum – não acredito! Vocês ainda comem este bicho? Novamente o casal riu, então Gaiom falou: