sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Pensamento Único

Secretário Geral ONU em 1992, Butros Ghali afirmou que a Globalização criou novos poderes que superam as estruturas estatais. Um desses poderes é o dos meios de comunicação. Idéia parecida tem Ignácio Ramonet, doutor em semiologia e história da cultura pela Escola de Altos Estudo de Paris. Ele define a política como terceiro poder, depois do poder econômico e do poder da mídia. Albert Gore considerou as redes de informação tão importantes para os USA de hoje quanto a infra-estrutura rodoviária foi em meados do século XX. Mas, este poder pode ser prejudicial.

De um lado, o enfraquecimento das máquinas coercitivas, como a Família, o Estado, a Escola, a Igreja, Exército, e o fracasso dos Regimes Autoritários, resultaram em um sentimento de autonomia e liberdade ao indivíduo. Porém, há outras estruturas de normatização. A Televisão é o maior exemplo. Quatro em cada cinco norte-americanos acreditam que a violência na TV contribui para aumentar a violência na vida real, pois apenas durante os cinco anos de escola primária, a criança vê no mínimo 8.000 assassinatos. Seu poder de influência é tão grande que vários países já tomaram decisões para limitar o conteúdo violento na televisão.

Mas a violência não é o único problema. Até os doze anos de idade, as crianças na França assistem a uns 100.000 anúncios que vão contribuir para faze-la interiorizar as normas ideológicas dominantes e ensinar o que é belo, feio, bom, justo, etc. Neil Postman, ensaísta americano, afirmou que o abismo entre a racionalidade e a publicidade cresceu a ponto de parecer nunca ter existido. A propaganda não possui lógica nenhuma. É apenas uma mitologia, uma encenação.

Auxiliada por psicólogos, estatísticos, psiquiatras, sociólogos, lingüistas, etc, a publicidade manipula os nossos desejos mais profundos. Não fosse isto o bastante, ainda faz uso de mensagens subliminares. Fundamentada em estudos hábeis do mercado, as técnicas de venda pretendem ser quase uma ciência. Seu objetivo é fazer-nos consumir cada vez mais. Porém, muitos cidadãos acreditam que a televisão também transmite informação.

Por muito tempo, informar incluía um conjunto de parâmetros que permitiam o cidadão compreender o significado profundo do acontecimento. Atualmente, a televisão transformou a informação em simples veiculação de imagens. Estudiosos consideram que esta informação moderna fundamentada na idéia de que ver é compreender, contribuiu para um retrocesso intelectual de séculos.

O fato é verdadeiro não porque obedece a critérios verificáveis, mas porque é repetido sem cessar não apenas pela televisão, como também por todos os outros meios de comunicação. Os noticiários televisivos, além de não informarem, servem como distração formada por uma sucessão rápida de notícias superficiais e fragmentadas, que nada esclarecem.

Submissa à televisão, a imprensa escrita passou a ser um mero eco. O discurso foi simplificado ao máximo e a análise foi substituída por fotografias coloridas. É a emergência de uma sociedade na qual impera o conhecimento esteriotipado, superficial e passageiro. Pseudo-informação massificada e repetida que elimina o esforço da interpretação racional. Um nivelamento por baixo, chamado por Ortega e Gasset como mesmidade.

Ainda existe o problema da concentração dos meios de comunicação, limitando drasticamente o número de fontes. Na década de 90, seguindo as normas do FMI, do BM e da OMC, os Estados reduziram investimentos e privatizaram serviços, abrindo espaço para a iniciativa privada nos meios de comunicação, que seguindo a lógica de mercado passaram a se unir e formar enormes grupos.

O professor Venício Lima, afirmou que um grande exemplo da concentração da mídia, é o grupo Net-Sky, da Globo, que controlava em 2003, 95% da TV por satélite. Segundo ele, os sistemas regionais de comunicação estão diretamente ligados às Organizações Globo, não só na televisão, como nas rádios e jornais impressos, e só o que fazem é repetir a pseudo-informação oriunda da Agência de Notícias Globo. Esta por sua vez repete o que vem dos mega conglomerados mundiais. Marcos Coimbra, prof Titular de Economia na UERJ, lembra que os meios de comunicação mo Brasil são comandados por cerca de seis famílias e que uma única rede tem 60% de audiência.

Dentro deste esquema midiático altamente concentrado nas mãos de poucos, fazendo uso dessa repetição constante de mensagens simplificadas e sem nenhuma conexão com a lógica, há um discurso que ganhou status de verdade absoluta, minando qualquer forma de contestação: é o chamado Pensamento Único.

Pensamento Único, em termos ideológicos, é a defesa dos interesses econômicos do capital internacional. É a cartilha escrita na reunião de Breton-Woods, ou seja, o discurso neoliberal, que defende a globalização como único caminho viável para todos os países, que afirma ser necessário reduzir o Estado ao mínimo possível e dar plenas forças ao mercado, pois este se auto-regula, que exige a diminuição dos direitos trabalhistas em prol de um lucro maior aos capitalistas, que defende a privatização total para avanço tecnológico, que promete o aumento da riqueza e o bem estar a todos que entrarem no jogo.

A repetição deste catecismo em todos os meios de comunicação, por parte de importantes jornalistas, comentaristas, políticos, personalidades, etc, convence a quase todos de que realmente não há mais para onde ir. Que não há nada melhor que o atual capitalismo e que a longo prazo ele trará a felicidade mundial e a bonança. Toda e qualquer outra alternativa é taxada de retrógrada.

Estudiosos de diversas áreas denunciam a falsidade do Pensamento Único. Paul Hirst, escritor de A Democracia Representativa e Seus Limites, denuncia que as políticas atuais favorecem os países desenvolvidos em detrimento dos países pobres. Outro escritor, Robert Went, assim como Samir Amin, chama de mitos tais projeções, pois a aceitação e os ajustes das economias nos paises em desenvolvimento à globalização, acabou piorando as contradições já existentes nas áreas sócias destas regiões.

No livro A Globalização Sob Três Óticas, Milton Santos argumenta que o Pensamento Único naturaliza o caráter perverso desta globalização, já que seus benefícios não atingiram sequer um quarto da população mundial. Ramonet ataca denunciando que a quinta parte mais rica da humanidade concentra 80% dos recursos do planeta, enquanto a quinta parte mais pobre possui apenas 5% da riqueza. Apenas 500 milhões de pessoas vivem confortavelmente e a fortuna de trezentas e cinqüenta e oito pessoas mais ricas do muno soma mais do que a renda dos 45% mais pobres.

Joseph E. Stiglitz, ganhador do prêmio Nobel em economia em 2001, com vasto conhecimento sobre a economia mundial e com experiência adquirida em sua passagem pelo Banco Mundial, aponta a OMC, o FMI, o BM e os países desenvolvidos como os agentes principais da desigualdade e pobreza das nações.

Sem espaço na mídia, estas denúncias são encaradas como mentira, pois a única verdade é o Pensamento Único, repetido infinitas vezes. A massa acéfala, sob a pressão de todos os meios de comunicação, assustada com a violência e hipnotizada com as promessas de consumo ilimitado, aceita este discurso mentiroso, apóia o enfraquecimento do Estado e usa de todas as suas forças para derrubar as críticas que ainda existem.

Quem controla a comunicação, controla o conhecimento. Não mais por falta de informação, mas pelo excesso, batizado por Edgar Morin de ruído. Excesso que impede a tomada de consciência sobre a falta de informação verdadeira. Confundir liberdade democrática e de comunicação com concentração hegemônica da mídia, com a predominância de um só tipo de discurso, pode significar não mais liberdade, diversidade, mas o empobrecimento do pensamento e da razão. A luta pelo lucro rápido defendida incansavelmente pelo Pensamento Único resultou no fim do direito de todo cidadão de estar bem informado.

Alexandre Santana

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